domingo, 11 de agosto de 2024

O QUE ME FEZ MUDAR ? REFLEXÕES SOBRE MINHA VIDA (PARTE 1)

Esse texto trata de uma reflexão que faço há anos sobre a minha vida e o que me fez mudar de comportamento. Para entender essa história vou contar um pouco sobre minha infância.

Eu nasci em uma cidade pobre, filho de mãe solteira com 3 filhos - meu pai saiu pra comprar cigarro quando eu tinha 7 anos. Brincava na rua e não sentia muita falta do dinheiro na infância, até porque quase todo mundo lá era pobre. A gente morava em uma casa emprestada da família, da falecida bisavó. Uma casa de mais de 50 anos de madeira, muito velha com buracos por todo lado, goteiras e sem portas na parte de dentro. Não havia privacidade, eu e meus 2 irmãos dormíamos em um treliche. Ficamos lá até meus 14 anos quando minha mãe conseguiu terminar a laje da casa que estava construindo no terreno da minha avó, então fomos morar em uma casa de alvenaria, porém estava só na laje, contra piso e sem pintura. Mas mesmo assim era muito melhor do que o local onde vivíamos. Minha mãe só conseguiu construir essa casa com diversos empréstimos do banco, ela pegava o dinheiro, construía uma parte, pagava o empréstimo e depois pegava mais dinheiro e repetia o processo. Ela trabalhava das 8 às 18h em um mercado da minha rua, quando estava em casa ficava fazendo comida, lavando roupa e limpando a casa. Não havia tempo para descansar, como não havia tempo para educar os filhos nem mesmo trocar afetos, nossa infância foi muito "fria" em carinho, compaixão e ,principalmente, expressões de afeto.  


Nesse contexto eu cresci, meio criado pela rua, pais de outros amigos, amigos mais velhos e escola pública. Eu era um aluno problemático, sempre me metia em confusão, briga na escola, discutia com os professores e tirava notas baixas. Me lembro do dia em que um professor me tirou da sala (isso acontecia com muita frequência) e começou a conversar comigo sobre meu pai eu cai em choro - impossível negar que a ausência paterna + diversos problemas sociais não deixaria marcas, deixou. Sai do ensino fundamental com múltiplas recuperações, uma reprovação (1° série, ano que meu pai foi comprar cigarro), começando a beber e fumar maconha.  

No ensino médio não foi diferente, passei por 2 escolas até que consegui passar no atual instituto federal antiga escola técnica (CEFET), o que me fez atrasar mais um ano. Para meus padrões, a escola era muito boa, mas por mais que eu me esforçasse eu não conseguia acompanhar, o que me fazia desistir de prestar atenção em sala, eu não tinha livros nem ambiente de estudo em casa, pra falar a verdade só fui ter uma mesa de estudos e aprender o que era estudar no pré-vestibular para medicina - 8 anos após o ensino médio, com 25 anos! 

Junto com os desafios do aprendizado veio a percepção da minha pobreza. O CEFET ficava na capital e era uma boa escola pública, então vinha gente rica estudar lá, foi ai que percebi a diferença social grande e comecei a sofrer mais com isso. Já no primeiro ano consegui um emprego no almoxarifado da escola e segui trabalhando até terminar o ensino médio, esse emprego me proporcionou pagar a passagem e poder viver um pouco, bem pouco. 

Tive duas namoradas nessa época, a primeira me deixou porque eu não queria nada com nada e ela era focada e estudiosa - se de alguma forma eu tivesse mudado, provavelmente seria um cara bem melhor hoje, pois ela era muito dedicada para época, o problema era eu. Foi por causa dela que eu entrei no CEFET, ela estudava lá e eu queria seguir ela, então tive minha primeira motivação pra estudar e consegui. Mas ela também me fez passar vergonha algumas vezes, a gente morava no mesmo bairro e pegava o mesmo ônibus para ir a escola, acontece que algumas vezes eu levava comida para almoçar e no ônibus fica um cheiro forte a comida, ela reclamava em voz alta e eu ficava em silêncio - eu acho que só fui superar (parcialmente) a vergonha de ser pobre com 33 anos, quando virei médico e começei a comprar as coisas. 

A segunda namorada era totalmente diferente, ela tinha muita liberdade com a mãe, o pai um (ex)drogado, com ela eu me perdi mais ainda nos objetivos. Ela era inconsequente, baladeira... e eu não podia acompanhar, mulher não paga nas baladas, eu gastei o dinheiro que não tinha, a mãe dela dava liberdade demais... e no final, ela que terminou comigo - GRAÇAS A DEUS! Não sei o que seria da minha vida se eu continuasse nesse relacionamento, provavelmente, eu ainda seria escravo por ai em algum trabalho subalterno. Por lado, tenho que confessar que ela me mostrou um mundo nunca visto, porque como morava longe da minha casa, tinha que pegar ônibus, podia dormir lá...evolui demais, fui exposto a outros desafios. Ela era diferente do meu mundo, tinha mais dinheiro, fazia coisas de rico (como dançar), eu acho que só rico pode gastar tempo com arte - música, dança , pintura. Isso não pertence ao mundo dos pobres, nós temos que estudar e trabalhar para poder sair da miséria. Mas foi por causa dela que eu começei a me interessar pela dança de salão, que em outro momento da minha vida , fiz por 3 anos como bolsista.  

Quando sai do ensino médio fiz prova para tudo que era público que você possa imaginar (4 universidade e 1 curso técnico), até curso técnico eu prestei, mas o resultado foi reprovação em tudo e olha que eu fiz pra educação física o vestibular.

O que sobra ? Trabalhar e continuar estudando (o que eu nunca tinha feito de fato até então). Me lembro que minha namorada da época (segunda) queria que eu fosse fazer uma entrevista em uma concessionária de carro para trabalhar como vendedor, felizmente, eu tive peito para dizer não porque eu queria ter um trabalho que me permitisse estudar. Fui trabalhar como repositor de um supermercado - das 13h às 22:20h. Foi trabalhando ali que eu percebi que se eu não mudasse não seria nada além de um mero trabalhador subalterno, apesar de eu ter me formado em um ensino médio com uma certa qualidade eu ainda estava trabalhando no mesmo emprego que imigrantes do norte do pais semi analfabetos, eu não era nada! Ver uma pessoa que mal sabia ler ter o mesmo emprego que o meu me chocou demais. Esse foi o ponto inicial que eu acredito que me fez mudar.  

Minha rotina em 2009 era acordar as 6:00h ir para o cursinho das 8-12h, ia para o trabalho e ficava das 13h até as 22:20h. Pegava o ônibus as 22:40h e chegava em casa perto das 23:30h, para dormir e começar tudo novamente. Cursinho de segunda a sexta, trabalho 6x por semana.

Trabalhando no supermercado, eu podia ir pro cursinho pela manhã, fiz dois semiextensivos no primeiro ano, mas não passei novamente no vestibular. 

Pra falar a verdade,

 eu posso até ter passado e não sei, 

acontece que eu era tão ignorante que nem sabia que havia 

segunda chamada. 


Com a reprovação veio muita tristeza e decepção tanto minha namorada (segunda) quanto minha. A coisa boa é que eu consegui uma demissão do supermercado e fui trabalhar como cobrador de ônibus, um emprego muito mais tranquilo em que eu podia estudar durante o serviço. Mas o desgosto da minha reprovação fez minha namorada ir perdendo o prazer em mim, até que ela terminou comigo, no início de 2010. O que sobra? Estudar e trabalhar. 

Fiz mais duas vezes o semiextensivos até passar no vestibular da federal para farmácia em 2011. Também conheci minha 3° namorada nessa época, mas só fomos namorar 2 anos após o pré vestibular - eu tive que convencê-la a namorar comigo 😂. Sou muito grato ao nosso relacionamento, com ela eu evolui muito como pessoa, foi ao lado dela que tracei minha trajetória até metade do curso de medicina, porém suas escolhas nos separaram...   

Voltando a 2010, eu estava sem namorada, só tinha o pré vestibular e mais nada, então passava todo meu tempo lá, ficava na biblioteca, fingindo que estudava e trabalhava como cobrador de ônibus. 

Mas, uma das coisas mais importantes do pré-vestibular foi uma amizade que construí nesse período, um professor de matemática com mais de 50 anos, que foi como um pai para mim, ele foi a pessoa que mais me orientou na vida. Foi junto dele que eu vivi uma transição de mentalidade, que me levou a uma crescente até onde estou. Ele foi como um mentor para min. Levo até hoje seus ensinamento.


Continua...

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